Felicidade Clandestina Paulistana
Véspera de feriado, o dia amanheceu chuvoso. Cheguei atrasada para a aula de jornalismo econômico e esperei uma pessoa por 45 minutos no metrô Santa Cecília...Bom, hoje chamei um convidado especial, o atrasadinho (ele nunca se atrasa, hoje foi excepcional) para escrever neste espaço. O paulistano Igor Milenkovich Ávila é estudante de Letras da USP, e sugeriu o título do post, que faz referencia a um livro da Clarice Lispector. Antes de ceder o espaço, a dica para este final de semana é a exposição temporária Clarice Lispector - A Hora da Estrela, em cartaz no Museu da Língua Portuguesa, na Praça da Luz. A entrada no museu é gratuita aos sábados. Igor diz:
Em tempos de felicidade clandestina nada melhor que Clarice para nos brindar no museu da língua. A narrativa clariciana já é uma exposicão das próprias entranhas da escritora, mais tarde, em leituras mais contemporâneas, entranhas também da cidade.
Quando se anda em meio aos ex-arranha-céus do centro, saímos do metrô e seguimos um fluxo. E nem percebemos. No meio dessa multidão há um sujeitinho querendo ser feliz em meio as promessas de felicidade fácil. Esse sujeitinho é você, sou eu. O que buscamos afinal?
Voce já reparou que a dona-de-casa, que esfrega o umbigo sujo na sua bolsa bem engraxada, está indo se consultar com o mesmo médico-residente que voce beijou em outros carnavais? Sua única indignação é soltar um grunido mau humorado para ela desencostar. E aquele mendicante que te dá um papelzinho no colo, com suas mãos imundas quando você finalmente consegue se sentar? De onde ele vem? Para onde ele vai? Terá o mesmo destino que o seu? Estação Paraíso.
Voce está indo para o trabalho, ele já está trabalhando. Com o seu salário de fome você não consegue alimentar apenas um dia dele. E reclama. Tanto ou mais do que ele. O que é um trabalhador hoje em dia? O conceito é vago. Eu estava "trabalhando" até hoje, mas não me deram a famosa trégua do dia mundial do trabalho (primeiro de maio, universalmente reconhecido, mas não pela insensibilidade do meu chefe). E você continua andando, saindo do metrô indiferente, pois eu estou do seu lado, te incomodando, ocupando seu espaço e desocupando mais um espaço no mercado de trabalho, que anda atroz.
A porta do metrô se fecha e as mulheres mais próximas se amontoam para ver o quão estão mais feias que as outras que se admiram na porta oposta, puxando tailleurs, mascando neurastenicamente seus chicletes, pensando no almoço de amanhã e nos gastos dos cinco minutos seguintes, nem cinco minutos... Clarice reconhecida em vida pelo talento de ser mulher de diplomata. Esse talento que você amesquinha com o conforto dos bancos acadêmicos. É feriado e você tem que aproveitar o dia mundial do trabalho como quiser, ou quanto ($) quiser. Por favor, continue se preocupando com o seu. Só assim que isso aqui funciona.
Rebeka escreve as sextas e hoje convidou o Igor para escrever no blog. Não deu para colocar a foto porque o laboratório está fechando...