domingo, 15 de abril de 2007

La société d'argent*

A partir de hoje e até terça-feira, quase 300 salas de cinema aqui e umas mais na Grande São Paulo vão participar da promoção “São Paulo no Cinema”. Vai funcionar mais ou menos como na França, país de cinéfilos que inventou o evento: você compra um ingresso pelo preço cheio e ganha uma cartelinha que permite assistir a mais 14 filmes quaisquer por R$ 3. A idéia é do Sindicato das Empresas Exibidoras Cinematográficas do Estado de São Paulo (SEECESP) para estimular o público, aumentar a audiência e promover os cinemas. Ah, sim, e também dar a oportunidade de todo cidadão ver a telona. Considerando, é claro, que o tal cidadão vai gastar, em média, R$ 17 só pra começar a usufruir da oportunidade. Sem pipoca.

Mesmo com algumas dificuldades e inviabilidades (15 filmes em 3 dias?) que ainda excluem uma parcela significativa da população paulistana, a iniciativa é legal para cinéfilos curtirem o começo da semana. Ou pelo menos para os que não tem carteirinha de estudante. Para esses, até que a promoção compensa.

Sobre a meia-entrada, o presidente da SEECESP, Eli Jorge Lins de Lima, explica que é justamente essa a razão de o preço que se paga pela sétima arte ser tão alto. “É a tal ‘febre da carteirinha’. De 80 a 85% das vendas de bilheteria são com meia-entrada. Desse jeito, não tem cinema que agüente”. E assim vai. A audiência caindo, a porcentagem de estudantes no escurinho do cinema crescendo e a dor no bolso cada vez mais aguda.

A “febre da carteirinha” reflete a “febre da universidade” que tem tomado as esquinas da cidade. Em 2000, São Paulo contava 68 instituições privadas de ensino superior. Hoje são 154, entre universidades, centros universitários, faculdades integradas, faculdades e institutos superiores. Em todo o Brasil, o número de vagas no ensino superior cresceu 470% em 15 anos. O contingente cada vez mais inflado de pessoas de todas as idades com uma carteirinha na mão assusta os detentores da exibição cinematográfica. Com facilidade, a desculpa cola e o lucro aumenta.

Na contramão da sede pelo lucro infinito, a Ong Circuito Popular de Cinema colocou em prática o projeto PopCine, com a proposta de levar a cultura das telonas para regiões carentes a preços acessíveis. Eles montam salas pequenas, usam sistema digital e negociam direto com os produtores dos curtas, médias ou longas que exibem. A entrada sai por R$ 4. E estudante tem seu direito de desconto garantido.

Arnaldo Contier, professor universitário com uma cultura cinematográfica invejável, conta que, quando estudou na França, todos os dias à hora do almoço tinha sessões gratuitas para os estudantes de Toulouse. As pessoas se amontoavam no chão em condições precárias para apreciar filmes que aqui a gente nunca ouviu falar. Pelo amor à coisa, e não pelo entretenimento.

As conclusões a que chego? O número de universitários aumenta, mas a cultura extracurricular não caminha no mesmo passo. Os sucessos de bilheteria são blockbusters feitos para vender, e vendem a um custo alto demais. Não só no curto prazo, no bolso de quem paga. Mas na manutenção de um estado que exclui quem já não tem acesso ao que não se aprende na escola. E que ainda desconta em toda a sociedade pelo número crescente de pessoas que batalham para estar nela.

*A sociedade do dinheiro


Aline escreve aos domingos, dia em que normalmente está mais paranóica com o mundo. Porque domingos são nublados, mesmo que esteja sol.