quinta-feira, 19 de abril de 2007

À revelia da dinâmica da paulicéia, todo dia é dia de índio na Aldeia Krukutu


Assista a um video com indiazinhas cantando





A aldeia Krukutu (a 70 km do centro de São Paulo se você for por dentro da cidade ou a 5 km se resolver fazê-lo pela Imigrantes) fica próximo ao Barragem, bairro da zona sul. Lá vivem cerca de 220 índios guarani em pleno exercício de sua cultura tradicional.

Não, eles não andam pelados. A cultura se mantém viva, mas em certa harmonia com a cultura pós-colombiana.

A língua guarani é falada por todos na aldeia. Enquanto eu andava por lá, as crianças conversavam e riam de mim em sua língua. Aí eu dizia “oi” e se elas respondiam, puxava um papinho, sinal que tinham mais de sete anos ou eram espertas e haviam aprendido antes da idade escolar.

Artesanato é uma das formas de subsistência. Uma “lojinha” está sendo construída no centro da aldeia. Para facilitar a venda a turistas. Vários homens trabalhavam na obra, boa parte deles de fora. O martelo rompia dissonante todo o incrível silêncio.

A religiosidade é o outro elemento que sustenta a identidade guarani na aldeia.

A reserva é servida por duas escolas, uma estadual e outra municipal e um posto de saúde multifuncional. Eles têm dificuldades para levar os estudos até o final. Segundo o cacique Manoel da Silva Werá, de cada 10 que ingressam na escola, só 1 termina. Ele mesmo fez só o primeiro ano. Ainda assim, fala muito bem o português.

Segundo IBGE, em 2000, no Estado de São Paulo existiam 63.789 indígenas, já para a FUNAI são 2.716. A diferença nos números se deve as diferentes metodologias adotadas. Os números do IBGE vêm de auto-declaração, enquanto a FUNAI só reconhece como índio quem vive em aldeias.

Para Benedito Prezia, pesquisador e membro da Pastoral Indígena, hoje muitos indivíduos que não se identificavam como indígenas começam a assumir essa identidade porque a sociedade passou a oferecer alguns benefícios para eles. “Nós não podemos dizer que eles são oportunistas. Eles têm esse direito”.

Hoje, mais de 500 índios vivem na favela do Real Parque, na paulicéia. Prezia concorda que esses são tratados simplesmente como pobres. Ou seja, não têm reparados os erros históricos cometidos por seus invasores. “Temos que garantir que eles tenham isso por serem indígenas, não por serem pobres” (Prezia, sobre índios universitários).

Para Prezia, “ser indígena não passa pelo biológico, passa sim pelo cultural”; ser índio, na definição do pesquisador “é ter ligações com populações pré-colombianas e ligações familiares que mantenham a cultura ancestral ou parte dela”.


Essa definição contempla a miscigenação. Entre todos os guaranis da Krukutu, alguns são brancos, loiros, com olhos claros. Como o Mauricio de 9 anos:



Todos os índios com que falei não pensam em sair da aldeia, não se identificam com a cidade e acreditam que sofreriam discriminação.

Prezia diz que o problema indígena não é só cultural, mas principalmente político. Por isso defende sua organização.

O cacique Manoel Werá reclama terras onde sua cultura possa ser cultivada. A reserva de 25,1 hectares, segundo o cacique, abriga cerca de 25 famílias e é insuficiente para caçar e dificulta o plantio. Por isso os índios precisam sair e comprar alimentos.

Todos na Aldeia Krukutu parecem felizes, apesar do que para mim é uma tremenda pobreza material.

Perguntei sobre isso para Karaí de Oliveira, 23, que discordou. Ele disse não ver pobreza ali, que eles não buscam riquezas materiais e por isso ele se sente feliz ao estar com saúde e em paz espiritual.

O resto da cidade - já que apesar da lonjura, os guaranis ainda estão na paranóia paulistana – chega cada vez mais perto da aldeia, mas o Cacique não se estressa. Diz que, apesar da tevê, os índios já estão vacinados contra as “ilusões” dos não-índios. Que "se a vida que eles mostram fosse boa não teria tanta gente reclamando".


Gisele escreve às quintas nesse espaço. Nessa semana ficou tentada a escrever um texto a la ‘a pauta perdida’ contando sua aventura na mata atlântica. Mas sabe que nunca vai conseguir passar como foi sensacional o que viveu.