sábado, 19 de maio de 2007

Futebol à paulista



Com vocês Zeca Marques, o convidado da semana.

A popularidade do futebol em todo o mundo tem múltiplas razões e justificativas. Para não chatear o leitor, gostaria de destacar apenas uma delas: o fato de se tratar de um jogo coletivo, em que os diferentes times e equipes acabam por representar também uma coletividade – seja no sentido de uma agremiação esportiva, seja no sentido de uma comunidade organizada em torno de um clube.


No Brasil, as torcidas se organizaram em torno dessas instituições, de clubes, que representavam seus bairros ou cidades e, muitas vezes, refletiam ainda as diferenças sociais de cada região. Não é gratuito, assim, que inúmeros clubes do Rio de Janeiro tenham ganhado o nome do próprio bairro em que surgiram (Flamengo, Botafogo, Bangu, Madureira, Olaria, Bonsucesso, Andaraí, São Cristóvão, Campo Grande etc.).


Em São Paulo, com o crescimento desordenado e caótico da urbe, essa organização das torcidas em torno dos bairros não se manteve, uma vez que estes se descaracterizavam com grande velocidade. A organização das torcidas levou em conta as levas de imigrantes que proliferaram pela cidade, havendo assim a concentração dos italianos em torno do Juventus e do Palestra Itália (atualmente Palmeiras), dos portugueses em torno da Portuguesa de Desportos, e de grande parte da colônia espanhola em torno do Corinthians.

De todo modo, da mesma forma como ocorreu nas grandes cidades do país, sempre se formaram pelo menos dois clubes fortes, com uma distinção social bem marcada: um de apelo popular, como representação das camadas sociais mais desfavorecidas; e outro de apelo elitizante, representando as camadas mais privilegiadas. É essa oposição que mantém até hoje as rivalidades entre Corinthians e Palmeiras ou Corinthians e São Paulo.


Temos assim que o futebol paulista acaba representando também as tensões sociais de uma cidade que teve o privilégio de organizar a primeira partida oficial de futebol no Brasil, em 3 de maio de 1902. Naquela data, o Mackenzie College venceu por 2 a 1 o Sport Club Germânia (atual Clube Pinheiros), no primeiro campeonato da história. Ambas as equipes deixaram de disputar campeonatos profissionais há décadas. Trata-se de mais um símbolo de uma metrópole que não se cansa das mudanças.

Zeca Marques é Doutor em Ciências da Comunicação pela USP e docente do curso de Jornalismo da Universidade Mackenzie. Atuou dez anos como árbitro de futebol profissional e é torcedor da Lusa "desde criancinha".