domingo, 20 de maio de 2007

O seu, o meu, o nosso

São Paulo, como toda a terra brasilis, teve lá sua cota de escravos que desembocaram por aqui, perdidos e fudidos. Perdidos porque não havia mais o referencial cultural que os identificasse. Já não encontravam quem falasse a mesma língua, vestisse as mesmas roupas e cantasse o mesmo canto. Fudidos porque, além disso, ainda tiveram que dar sangue e suor pelo que não acreditavam nas condições que a gente ouviu falar e faz de conta que não existem mais.

São Paulo, como toda a terra brasilis, teve toda a conjuntura. Mas, diferente do resto da terra brasilis, não teve a recriação de culturas e crenças pra chamar só de suas. São Paulo, essa terra infinita de todo mundo – quem diria? – não é de ninguém.

[Puxo a história para o lado dos negros porque é deles que saíram muitas (que eu conheço ou ouvi dizer) das manifestações tipicamente brasileiras. Samba, coco, afoxé, maracatu, samba-de-roda, caboclinho, candomblé, umbanda, capoeira, jongo, umbigada e ah! Qualquer outro nome que venha acompanhado de dança, percussão, uma história para se crer e passar pra frente. Que aqui na paulicéia, pela “miscigenação sintetizada” a mais, não tem.]

Um cara chamado Luiz Gustavo Silviano, que atende mais por Guga, ensina maracatu na Heitor Penteado e estuda toda essa batucada da cultura afro-descendente, disse que aqui não se vê manifestação de cultura popular própria por ser cidade “generalizada demais”. Globalizada demais.

A Secretaria de Cultura da cidade não dá conta de incentivar todos os interessados em cultura popular. E no fim é mais fácil mostrar serviço quando se consegue midiatizar o produto em que se investiu. Se São Paulo, antes, não tinha manifestação popular pela mundialidade, hoje não consegue mostrar o que descobriu pelo interesse em publicizar o que for mais fácil. O pop, e não o popular.

O Guga trabalha alguns projetos na cidade. Ele dá aulas de maracatu aos sábados no grupo Bloco de Pedra, na escola Alves Cruz. Pra quem chegar, é pegar um dos instrumentos e se divertir. Outro projeto é o Viralatisse, com os primeiros alunos da escola, de cinco anos atrás. Agora, ele conseguiu apoio do Vai para tocar duas idéias que já andavam sozinhas. Oficinas de construção de instrumentos e oficinas de percussão. Nas palavras dele, só conseguiu porque o projeto estava tão bem escrito que não puderam negar.

Para ele, não existe valorização da cultura popular. Para mim, também não. Sei lá se por preconceito, afastamento compulsório ou puro desconhecimento. Sei lá se por achar que cultura popular é desmerecedora de tempo. A gente não mistura manga e leite, não abre guarda-chuva dentro de casa, não passa debaixo da escada, mas acha folclore demais se envolver com tradições.

Sei lá qual é a nossa.


Aline Scátola escreve aos domingos, normalmente e sem querer sobre História. Hoje se propôs a falar sobre percussão e acabou caindo nos tempos de outrora que sentiu que não podia deixar faltar. Aline gosta de História, apesar de saber que a retrospectiva não é atrativa aos leitores.