Numa noite iluminada, em parte pelos faróis que cruzavam a ponte, a indiazinha Muié fez sinal e subiu no trem-bala que não era trem-bala porque sua língua-materna não deixava.
A indiazinha Muié não sabia o que era o local onde entrara. Tinha luzes piscando ao seu redor e pessoas conversando alto e alegremente. Uma voz eletrônica ecoa e algumas pessoas se movimentam em direção à porta.
Mas a luz pareceu faltar e a indiazinha, que não era poeta nem esteta, não sabia o que fazer para rimar com a tal voz onipresente. Então, resolveu sentar e esperar, pela chuva ou pelo vendedor de Suflair, enfim, o que viesse primeiro.
Uma pessoa fardada aproximou-se da indiazinha e disse-lhe que não é permitido sentar no chão. Sem saber o que fazer, a indiazinha apenas olhava para o guarda, com profundo ar inocente e um pacote de balas nas mãos. Entregou o pacote ao guarda, que sorriu.
Mas, num gesto rápido de quem está acostumado a ruindades, ele baixou o cacete na Muié, que gritou em vão para as outras pessoas que ali estavam e nada fizeram porque não queriam ser confundidas com índio uma vez na vida.
Algumas pessoas se recusavam a olhar a cena. Uma mulher sendo espancada por um homem. Dizem que em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher. Outros, ainda diziam ao guarda: com licença, quero sair do trem; a campainha já tocou.
Entretanto, depois de 5 paradas aleatórias, uma corrente de ar invadiu o vagão e um índio alto, loiro, forte e musculoso salvou a indiazinha. Mas como ele era personagem de outra história nacional, logo logo ficou preto que nem tição, e a moça se espetifou no meio da Avenida Paulista.
E o que é a Avenida Paulista? Para a indiazinha, um monte de árvores cinzas e altas. Muitas pessoas andando como se fossem animais atrás de carniça. E ouvia: Vai, popozuda, vai descendo até o chão!
Então ela foi, e foi, e foi... Meu Deus, como ela foi! Foi tanto que deu mal jeito nas costas e quem disse que ela voltava? Não voltou, não, e, novamente, lá ficou a indizinha pedindo ajuda e se arrastando pelo chão, chão, chão, chão (Ae, galera Zona Sul! É a Fofa Quebra-favela agitando o Pancadão!)
Até que avistou uma placa que dizia: "Siga reto! Sempre reto!" E ela seguiu, seguiu.... e reencontrou o índio loiro-moreno-da-outra-estória.
E era tanta a felicidade que resolveu presentear o índio com a primeira coisa que viu na sua frente, e assim, ela deu-lhe um saco plástico de supermercado com uma nota fiscal dentro. Ele, apaixonado, escorreu pelo bueiro e foi parar lá depois da Marginal. E a Muié vagou sozinha até a próxima esquina, cujo nome lembrava sua mãe.
Na esquina, havia uma mendiga pedindo dinheiro. Como que por afinidade ao nome, a Muié abraçou a mendiga com tanta força que cachorros começaram a latir e os gatos começaram a miar. Assustada com o barulho, a indiazinha correu sem olhar para trás.
Correu tanto que ultrapassou a barreira do tempo e se viu desfilando entre homens coloridos e fantasiados, despindo seus ternos e tirando fotos com seus celulares da firma. E como a Avenida não se faz só de carros, deputados e prefeito e sub-prefeito ali estavam, celebrando com seu eleitorado.
E a indiazinha foi parar em pleno palanque eleitoral, perdida na confusão da cidade. Ela virou celebridade e foi parar no Big Brother. Após os 15 minutos de fama (não, ela não ganhou o prêmio de 1 milhão), ela voltou a ser uma anônima perdida. Na selva de pedra.
Crônica extraída do livro:"Sopa de Feijão e Outras Letrinhas", por Flava Nova e Regina Filange.
A foto é de um site de turismo de New York.
Boa Virada Cultural!