domingo, 25 de março de 2007

Parte e todo

Gentrificação ou enobrecimento: conjunto de processos de transformação do espaço urbano realizado pelo mercado imobiliário para revalorizar determinada região, expulsando as populações mais pobres para áreas mais afastadas do centro, de forma a atrair público de alta renda.

A Vila Leopoldina é um distrito relativamente próximo ao centro da cidade de São Paulo conhecido principalmente por abrigar o entreposto hortifrutigranjeiro do CEAGESP (o tal do CEASA) e pelo número de indústrias instaladas na região. Fica perto da Marginal Pinheiros, é cortada por uma linha de trem e toda a malha viária da região foi pensada para a escoação da mercadoria que circula e circulava por ali. (Ou mais ou menos pensada, já que a maioria das ruas é estreita e dificulta o fluxo contínuo de veículos.) Por causa do tráfego intenso de caminhões, das más condições do saneamento básico, do vai-e-vem de estranhos e de outros probleminhas urbanos, a região não era muito do agrado de quem pode pagar pra viver bem.

Só que aí da década de 90 (do último século, pra deixar claro) pra cá, alguns arquitetos responsáveis por projetos de revalorização e desenvolvimento do centro expandido perceberam que a alta acessibilidade à Vila Léo não podia ficar restrita a quem faz o trabalho sujo da cidade, e decidiram que ali era um bom lugar pra colocar alguns ricos. Já se tinha a experiência bem-sucedida da City Lapa, lugar arborizado com pessoas limpas que andam de carro e só saem na calçada para o cachorro fazer cocô. Agora era só expandir as áreas verdes até a Vila, afastar alguns mendigos para a favela do Jaguaré, dar uma recauchutada na infra-estrutura residencial e "vóilà".

A prefeitura e as imobiliárias acharam legal a idéia de verticalização, construindo prédios de alto padrão em número suficiente para dar um adensamento habitacional de luxo por ali. Um mercado direcionado ao novo público residencial foi se estabelecendo e outros aparatos que fizessem da vida na zona oeste mais fácil começaram a chegar. A população humilde, que vive nas ruas ou em submoradias começa a se deslocar, empurrada pelos seguranças que fazem a ronda dos condomínios. As condições precárias desses caras que já não tinham quase nada fica cada vez pior, por represália dos novos moradores, aversos à sujeira e às coisas feias da vida.

Esses processos de revalorização financiados pela prefeitura que a gente anda vendo por aqui atingem o centro e a região "nobre" da cidade, lugares de fácil acesso, "urbanamente" equipados que com uma pintura nova se mostram como mercadoria boa - e cara.

É ótimo tentar melhorar o aspecto urbano da cidade, mas as propostas de reforma pensam a questão de modo a excluir quem já está excluído. Não se ouve falar de revitalização (que conceitualmente não é o termo apropriado) popular, que preze por moradias baratas que aproximem pessoas sem muitos recursos do centro, onde estão todas as possibilidades de expansão cultural e pessoal. Em vez disso, mantém-se os pobres cada vez mais longe das alternativas, mais longe dos pontos de ônibus que levam ao centro, mais longe dos centros de cultura e lazer. Tudo isso na surdina, sutilmente e com o respaldo de quem é minoria mas tem voz, porque seus novos centros de conveniência são limpos e livres de catadores de lixo.

E nem os ricos e nem os pobres viverão felizes. E nem pra sempre.

Aline vai escrever ao s domingos sobre observações feitas durante o percurso do ônibus. E sobre reflexões feitas durante o trânsito depois da chuva.